ENTRE DOIS FERIADOS

É MUITO DIFÍCIL DE SE SENTIR UM SENTIMENTAL
Adoro um retrato. Podem achar cafona e auto-referente, mas não resisto a expor as fotografias que marcam meus melhores momentos, meus mais agradáveis encontros. Na minha sala, vivo cercado de mim para ver se não me esqueço. Na minha sala, as mulheres não envelhecem, os amigos não se afastam, há sempre sorrisos, abraços e festas. Não tenho paredes e mesas, mas álbuns derecordações, onde me perco entre Glasgow, o pub na Riverside e um surpreendentemente vivo Fernado Brasil Correa que me espia com ar sério e - com toda certeza - pensando: "Cara, tu és mesmo um calhorda!" Na minha sala, os meus não saem de perto e minha amada está sempre feliz, como se fosse realmente bom viver comigo. Pode-se dizer que esta necessidade de congelar a alegria é um tentativa de afastar-me da realidade. Mas, olhando atentamente a meu irmão espanhol, já morto, mas milagrosamente vivo num estantâneo colorido preso a uma modestíssima moldura de plastico, fico um pouco em dúvida se a vida não é exatamente isso: alguns poucos segundos para se guardar e um monte de tempo quepodia ser jogado fora. Não dou um caracol manco por este bando de asneiras que acabo de escrever, mas sou o único a trabalhar nesse horário de almoço, numa segunda-feira entre dois feriados, e nestas horas e muito difícil deixar de se sentir um enorme babaca sentimental. Também, sobre o que você queria que escrevesse? Sobre o massacre dos mendigos paulistas, o massacre das crianças russas, ou das popoulações das favelas no Rio? Deveria escrever sobre o assassinato de nossa dignidade de nossa esperança, nas esquinas dascidades, vendo nossas crianças praticarem a inútil e sem talento acrobacia com bolinhas de tênis?
Desanimei, desacorçoei, enchi o saco. Me identifico muito com aquele locutor da TV portuguesa, que a internet tornou ma celebridade mundial, bonitinho, elegante, com uma voz empostada, ele estava "a anunciar" a libertação do Timor Leste e se preparava para ler no teleprompter a declaração solene de Xanana Gusmão, quando a maquininha pifou. Olhando fixamente para a câmara, tentando ler o que deveria estar projetado na lete, ele só soube balbuciar um lusitaníssimo 'Caralho!" e começou a procurar o texto entre papéis. Deve ter levado uma bronca pelo ponto eletrônico porque ele diz, aparentemente, para si mesmo: "Não sei onde está esta merda." E depois, gloriosamente, triunfantemente, libertariamente, olha para a câmara, para o telespectador, para o mundo e sentencia: "Foda-se!" Na minha opinião, modestissima, foi um dos grandes momentos da comunicação mundial. Luiz Carlos Miéle uma vez encerrou uma discussão enorme, naquelas reuniões onde a razão e a verdade pedm demissão para dar lugar a uma brga politica de egos, dando um murro na mesa e anunciando: "Vocês todos fiquem aqui porque eu vou a merda!" E saiu como se tivesse se expulsado. Por pouco a mesa inteira irrompeu em aplausos. Diz a lenda que, há trinta anos, o Neil Ferreira também encerrou uma reunião chatissima com um cliente dizendo: "Seu cliente, o senhor me desculpe, mas eu tenho um encontro com o Dentinho (atacante do Corinthians) no pacaembu e não ou poder continuar ouvindo suas besteiras. Até um dia." Não sei se é reciclada, mas o Maurício Cabral, para elogiar uma apresentação que eu tinha feito para o trabalho, onde tentei ser histriônico, original, alegre e entusiasmado, me disse: "Você estava perfeito. Para o chucro faltou só voar." Toda vez que eu como uma ostra, faço uma reverente homenagem ao meu ancestral corajoso que pela primeira vez colocou aquela aparente porcaria na boca. Se não fosse sua curiosidade, ou talvez mesmo total irresponsabilidade, provavelmente nenhum de nós estaria tendo este prazer. O maior sucesso literário em Portugal nos ultimos tempos é um livrinho chamado O MEU PIPI, de autor desconhecido, que é a maior coleção pornogáfica jamais editada. Em poucos dias foram vendidas mais de 50 mil exemplares. Trata-se de uma coleção de "melhores momentos" de um blog escrito por um anônimo de raro talento e de texto impecável que se esconde sob a alcunha de Pipi eé acessado todos os dias por milhões de portugueses: (euPipi.blogspot.com) A ediouro lançou o livro no Brasil, "traduzido" por Mario Prata. Recomendo. É impossível reproduzir um uníco tracho, já que fora do contexto e da idéia geral, o Pipi é realmente barra pesada demais. Tem vez que eu abro livro do Millôr Fernandes e acontece comigo o que alguns religiosos dizem que acontece quando eles abrem a Biblia: parece que Deus escolhe estes momentos para dar recados fundamentais. Agora mesmo, com o saco profundamente na lua, fazendo um pouco de hora para o almoço, numa sala e numa empresa vazia, num dia vazio entre dois feriados, bati os olhos num Hai Kai do Millôr:
"Meu sonho é mixo. Ter a felicidade. Que os outros põe no lixo."
Millôr, com todo respeito. Vá pra puta que o pariu. Assim como pode ir também para o mesmo lugar um tal Cezar Miranda que escreveu no site Afrodite esta obra prima: "Um sim. Assim tão vão. Não é sim. É não." Se eu tivesse um minimo de vergonha na cara, pararia de escrever.
E num ato indispensável, junto-me a Míéle e vou a merda também, vocês que fiquem aí...

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