AVISO

"É preciso um mínimo de bens materiais para exercer as virtudes do espírito". Santo Agostinho, em tradução de Millôr Fernandes.


Eles vão descer dos morros
com paus e A-erre quinze,
despenteados e esgazeados,
famintos,
mulambentos.
E sem os dentes da frente!
Vão descer das caatingas,
dos cortiços,
das palafitas,
esfomeados,
atormentados,
com seus filhos catarrentos - e já sem os dentes da frente!
Não sabem muito: somente o ato ancestral de martelar crânios.
Gafanhotos ávidos
em milharal verde.
Não saciarão de comida,
vão comer você, com risos formidáveis e desdentados.
Eles vão sair dos buracos,
barracos,
pontes,
marquises,
com aquelas roupas velhas que você doou no último inverno.
No hálito, a cachaça recendendo.
Na cabeça, os piolhos pulando,
nas calças, os cheiros da urina dormida.
Sem os dentes da frente,
trarão pedras nas mãos,
sangue no olho,
e uma alegria incontida.
Esmagarão cabeças com a energia dos recém-despertos do torpor,
vão comer de tudo da sua geladeira e vão rir a bandeiras
despregadas de suas cuecas de seda,
vão limpar a bunda com as pantufas da sua mulher.
Eles sairão das construções abandonadas,
dos porões,
dos esgotos,
dos ocos e das grutas.
Usarão seus pedaços de facas sem fio para furar a sua barriga,
rasgar a sua carne e cortar seu pinto.
Vão usaros seus sapatos novos,
os patins da sua filha,
a guitarra do seu filho.
E terão prazer especial em pesotear sua sogra, sua mãe, seus velhinhos.
Falarão errado, cuspirão no tapete e entrarão de sandalhas malcheirosas na sua banheira - E também sem
s dentes da frente.
Alguns vão querer foder sua mulher e suas filhas e nem tirarão os trapos. No máximo vão pôr para fora
quele pinto sujo, cheio de esmegma verde, com um fedor horroroso e meterão á vontade.
Eles sairão das roças, das matas, das periferias do inferno. E trarão foices, machados e ancinhos
nteressados em cortar pescoços.
Terão ouvidos moucos
a súplicas, desculpas e perdões.
Satisfeitos de por fim poderem comer não lhes custará nada gozar com o seu terror.
Talvez, com certa gravidade que os roceiros têm, matem, juntem os corpos numa pilha e ponham fogo como
uem limpa a seara.
- sem os dentes da frente, eles também!
Darão aos gatos o caviar e o "fois gras", cozinharão o filé mignon no feijão e acharão a maciez suspeita - lhes
arecerá carne de preá.
Com aquelas mãos fortes, grossas, de unhas pretas, segurarão o seu pescoço e apertarão com facilidade.
Sentirá o horroroso bafo daquela boca fétida, com bigodes amarelados, a lhe falar impropérios que você
vão vai poder contestar.
E aí, o que você vai fazer?
*Texto extraído da série
"Provocações Necessárias", do amigo, Paulo Lemos.

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